terça-feira, abril 11, 2006

Dançar fora de RitMo

Chove consecutivamente há três semanas, o sol teima mesmo em não aparecer e aquecer-nos a moleirinha com energia positiva.
Mas é nestes dias cinzentos que a chuva nos ajuda a lavar os pensamentos.
Espero no café pela hora de ponta (qual hora de ponta?, aqui não se passa realmente nada... só um camião de lenha nos atrasa o passo no regresso a casa)... não, espero pelo cheiro das velas aromáticas entre as baforadas de fumo. Nos entretantos, peço um abatanado (é preciso explicar "é um café, mas numa chávena grande", "é um duplo, portanto?", "não, não! é só uma dose de café, mas numa chávena grande" - tornamo-nos pacientes aqui, não nos subjugamos à pressa das cidades, o que é bom, passamos a ter tempo).
Passam horas e dias a fio, os jornais continuam a falar do mesmo, o sorriso insiste em ficar virado para dentro e nasce a necessidade de nos conhecermos melhor.
Procuramos sempre expurgar os nossos males, procuramos o melhor de nós em todos os cantos do corpo, guardamos as lágrimas na palma da mão. É a chegada da Primavera, temos de nos preparar para o sol que, um dia, há-de aparecer. Apesar da demora. Apesar do resto do mundo parecer tão longe.
Quando estamos fora do nosso elemento natural, o nosso eu mais essencial fica escondido. É então que questionamos a vida e damos a mão a realidades que ainda não conhecemos muito bem. Sentimos então saudades do que já conhecíamos. E lá vamos dançando fora de ritmo.
Na verdade, o que queremos é encontrar paz. E encontramo-la de verdade quando estamos bem connosco próprios. É a disponibilidade de nos aceitarmos como somos, nem melhores nem piores.
Há quem queira ser melhor do que é e, no espelho, aparece o endeusamento de uma pessoa que não é capaz de escutar outras vozes.
Há também quem queira ser pior (por alguma mágoa que não foi capaz de ser perdoada) e crescem muros à volta do seu coração, em vez de flores. Os seus espelhos já se partiram todos.
Lá fora, continua o (re)pingar da chuva. Desta vez, o abatanado não arrefeceu depressa demais e não apanhei nenhuma lenha nas curvas do caminho de casa.
Por mim, quero ter as minhas flores no sítio e os meus espelhos intactos. Mesmo que continue a dançar fora de ritmo.

Etiquetas: